terça-feira, 29 de março de 2011

exercício

ela estava pensando sobre um parágrafo, precisava colocar ali várias vozes. eu penso demais, mas na hora de escrever, as vozes se calam. freio. que freio é esse? você tem talento, mas soavam como elogios de familiares. a realidade, essa eterna busca por algo "real", algo que fizesse sentido, algo que encaixasse. ele lhe disse que buscava o "mundo real", ele estava ansiando o momento de viver no "mundo real". ela riu porque achou irônico ele se colocar daquela forma, justo ele, um homem selvagem. de que realidade ele estava falando? ela estava cansada de viver naquela forma de sapato velha, sentia tudo como uma moldura que sugasse sua vitalidade.....você precisa crescer, quando você vai viver a vida real, parar de idealizações? ela nunca acreditou nisso "realmente", mas tentou se encaixar e a vida conspirou: arranjou um namorado maravilhoso, ajudou quando os problemas surgiram e aqui ficou. ficou talvez porque não aguentaria o julgamento alheio dizendo que ela fugira. ele pediu para comprar um de seus cigarros, porque você simplesmente não pede? curiosa você. eu sou, você gostou? e, num estalo, ela lembrou que o papel continuava em branco, ainda não havia escrito o parágrafo.

quarta-feira, 23 de março de 2011

escrever

"Escrever é talvez trazer à luz esse agenciamento do inconsciente, selecionar as vozes sussurrantes, convocar as tribos e os idiomas secretos, de onde extraio algo que denomino Eu [Moi]”(Deleuze e Guattari, Mil Platôs vol. 2, pp.23-24)

domingo, 13 de março de 2011

morar em são paulo

"São Paulo é outra coisa / não é exatamente amor / é identificação absoluta / Sou eu / Eu não me amo, mas me persigo / Eu persigo São Paulo"


eu fui dormir querendo escrever sobre morar em são paulo, depois de um fim-de-semana tipicamente paulistano: visitando e encontrando pessoas. estar no morumbi, em osasco e na vila mariana em um só dia me levou a refletir sobre essa dinâmica relações-espaço que travamos por aqui. não escrevi.
o tempo passou e continuei passando por experiências que me levaram a sentir essa dinâmica relações-espaço. sou uma pessoa nascida nesta cidade e muitas vezes não quero estar aqui e em outras tantas vezes SÓ quero estar aqui. são emoções que brotam sem controle, quando me percebo acompanhando tantas vidas indispensáveis no meu roteiro, vidas que se enredaram na minha ao longo dos anos. aqui finquei minhas raízes e fui tecendo minha rede: na família, na escola, na faculdade, nas experiências profissionais, no trabalho sobre mim mesma.
frequentar espaços que são como extensões da nossa casa, com tantas histórias ali acumuladas, não tem preço. percebi esse amor por alguns espaços determinados quando encontrei no meio da rua, no meu bairro, uma amiga que recentemente se mudara com o marido e não estava familiarizada com "onde poderia beber uma cervejinha após o expediente" e pediu uma "dica". compartilhei com maior prazer e um certo orgulho o lugar secreto, que só quem mora ali sabe, cujo nome não se localiza no "google". encontrar as pessoas que a vida-de-velocidade-insana não deixa, em lugares inusitados, sem combinar previamente.... isso é praticamente ficção em são paulo e quando acontece, traz muita alegria ao paulistano tão privado de momentos de lazer e riso fácil.
acompanhar como cada uma dessas relações está escrevendo sua história, como cada uma está compondo a sua vida com outras vidas, como cada uma está vencendo, ou ainda lutando, suas batalhas tem tomado meu corpo de alegria, de um prazer por estar viva e por estar aqui, agora.
morar em são paulo é ter o prazer de estar com as pessoas, eu penso, porque a cidade não te reserva muitos espaços para desfrutar a cidade. para desfrutá-la é preciso imaginação e se o paulistano não desenvolver isso, ele se torna aquele que apenas reclama da cidade.
em alguns momentos eu me pego desfrutando a cidade. por exemplo, quando em pleno vale do anhangabaú há um grafite novo ou quando um pôr-do-sol mais alaranjado deslumbrante ali no final da avenida paulista cruza meu caminho. em outros momentos eu me pego hipnotizada pelo paredão branco do auditório incrustado no meio do verde, ao lado do tráfego-sem-trégua, no coração do parque do ibirapuera.
a cidade para o estrangeiro é sempre aquele lugar a ser desbravado, e muitas vezes quem mora na cidade, seja ela qual for, só a reencontra no encontro com o estrangeiro. e hoje eu vivi essa experiência do reencontro com a minha cidade. um amigo paulistano de férias por aqui (que ironia isso para um paulistano...) mandou suas fotos e eu fiquei deslumbrada. a beleza da cidade, vista por seus olhos que, agora, são olhos estrangeiros.
morar em são paulo é algo de grandioso pela questão espacial, como percebi quando me peguei explicando as linhas do metrô para um amigo ou quando conversava sobre os problemas da cidade na volta de Pedra Bela no carro com o querido futuro compadre (marido de uma amiga-irmã, a gente pode chamar assim?), enquanto ela dormia.
ao mesmo tempo morar em são paulo é amoroso e aconchegante, porque o paulistano sabe afinar as relações, sabe criar intimidade, sabe acolher. talvez isso seja mesmo obra irônica da própria cidade, que, com seu ar aparentemente gélido, nos fez/nos faz assim. Parafraseando Itamar Assumpção eu digo que persigo são paulo, persigo-a carinhosamente até encontrá-la e quando a perco, persigo-a de novo e sinto um grande prazer no reencontro. tão prazeroso como o é o desbravar quando se é estrangeiro em outra cidade.