segunda-feira, 26 de setembro de 2011

bola bola pastel

Certa vez eu escrevi para ele dizendo que ele foi o primeiro grande presente que a vida meu deu. A primeira criança com a qual eu dividi meu mundo e isso fez toda a diferença na minha vida. Eu lembro de esperar sua chegada como uma criança espera o Natal, eu queria muito saber como ele seria. Eu não tive ciúmes, apenas uma vontade imensa de compartilhar as coisas que eu havia aprendido antes dele, de brincar, fazer traquinagens, de caminhar lado a lado.
Revirando os armários minha mãe achou uma redação, ele tinha uns oito anos e inventou o personagem bola bola pastel. Era uma redação de uma sutileza, mostrava bem a pessoa sensível, carinhosa e engraçada que ele ainda é. E criativo. Lembramos a criança que ele foi, a criança que eu fui, nossas diferenças, semelhanças.... nada nunca interferiu na nossa união e amizade, ao contrário, um traz o equilíbrio que o outro precisa, eu sinto assim. Ter um irmão para mim, foi uma experiência inexplicável, eu sinto que não cabe em mim o amor e a admiração que eu sinto por ele.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

pé quente cabeça fria

"Dilacere meu coração para que se crie um novo espaço para o Amor Infinito" - oração sufi

O não-chão: eu me olhava e eu não acreditava ser aquilo. Eu não tinha mais como não olhar, foi de repente e eu parecia estar vendo outra pessoa. Eu vi, eu senti, ficou tudo muito escuro e dolorido, meu corpo doía. Eu não tive nem mesmo vontade de sair da cama, fiquei com medo, mas entrei. Estou aqui dentro ainda. Um pouco melhor, mas aqui dentro ainda, assistindo a tudo isso, confiando - ficará tudo bem.

E eu entendi dessa frase que somente se eu aceitar a morte - as várias mortes que enfrentamos no caminho da vida - é que eu poderei deixar espaço para nascer algo novo, algo que talvez não seja tão novo, algo que está esquecido, encoberto por todas essas máscaras/identidades que compõe o eu-sou. Lembrar de partes minhas que estão dormindo, abrir espaço para o Amor Infinito. Isso é muito abstrato, mas de algum modo eu entendi por querer entender, por querer deixar morrer.

Recordaram-me da intenção e da coragem, o Caminho do Guerreiro do Castañeda, e a proposta de um "banho gelado" me acordou de um longo sonho. Eu achei que estava caminhando, mas peguei no sono durante o caminho. Eu me surpreendi com essa novidade, eu não tinha percebido que dormia. E, então, acordei num susto, me desconstruindo, numa queda profunda, sem tempo de me segurar. Hoje é até engraçado contar, mas foi assim mesmo.

O Osho diz do Iluminado, o Acordado, o Buda: "Que ganha com isso um Buda? Nada. Pelo contrário, perde muitas coisas: o sofrimento, a dor, a angústia, a ansiedade, a ambição, o ciúme, o ódio, a dominação, a violência - perde tudo isso. E não obtém nada. Obtém o que ali já estava: recorda-se".

A força feminina para continuar olhando para dentro do escuro, a coragem para se soltar, a intenção de mudar e a primavera para ajudar a florir e a acordar para o Amor Infinito.

sábado, 17 de setembro de 2011

c'est toujours aussi difficile

"Tenho fases, como a Lua; fases de ser sozinha, fases de ser só sua".

Estou sentada na frente do laptop tentando dar continuidade ao texto desde às 13:00. Agora são 14:40. Tudo me parece mais interessante do que abrir o arquivo e começar a continuar. Sinto uma certa angústia porque 1º de outubro está logo ai e preciso terminar. Mas é sábado e o sol arde lá fora e tudo, hoje, me fascina mais do que o texto.
Já entrei no youtube, assisti a diversas performances, inclusive uma histórica do Planet Hemp em 1997, quando foram presos por apologia ao uso de drogas. Li um dos meus blogs favoritos e fiquei de novo angustiada com o texto ultra romântico. Doeu lá dentro, compartilhei. Selecionei tracks no 8tracks e de todo o conjunto do que ouvi, me arrepiou uma cantora mexicana: meu sangue latino ainda pulsa. Li também outras curiosidades na web. Dei uma parada, acendi um palo santo e me deixei entrar em cerimônia, conectada com o temaskal que está acontecendo e eu não fui porque aqui na Terra estão precisando de mim. Lembrei da minha irmã, das minhas irmãs, de honrar o feminino; o que só acontece quando estou honrando a mim mesma. Pensei no quanto é difícil mudar atitudes que não me servem mais, mas eu não quero desistir. Eu caminho sem pressa, pois como já disse Cecília Meirelles, "Faze-te sem limites no tempo". E como foi prazeroso redescobrir essa autora essa semana, lembrei da minha infância, ou isto ou aquilo.... Mas claro... Se os pensamentos não são meus, se são nuvens - eu gostaria de viver isso. E como eu penso. E como.
Eu estou fascinada pelo francês, e isso também me atrai mais do que o bendito texto. É bendito, sim. Eu sempre confundo o significado de toujours com tous le jours. E numa dessas fugas do texto, o mais engraçado foi descobrir, ainda é muito difícil, eu sempre estou pensando nele. Toujours. Mesmo ainda tendo as fases de ser sozinha, ainda tenho as fases de querer ser só dele.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

a linguagem dá barato

"rio do mistério
que seria de mim
se me levassem a sério?"

Evite conhecimentos emprestados. Ele é um artifício da mente, quanto mais você estiver rodeado de conhecimento, mais difícil de encontrar seu coração. Fica difícil encontrar-te, você perdeu o contato com teu coração. Essas palavras ressoavam e incomodavam, estava difícil ficar bem porque ela gostava do barato das palavras, mas queria voltar a saber com o sentir. Ser tocada e transformada pela experiência, sem se defender. O conhecimento é uma paixão, é uma droga. O conhecimento lhe dá a alucinação de conhecer. Você começa a sentir que sabe; sabe porque pode argumentar; sabe porque tem a mente muito lógica e aguda.

Ele gritou:
- Não seja tola! A lógica nunca levou ninguém à Verdade.

Ela sorriu:
- Eu sei, mas eu gosto de pensar, faz sentir que sou importante e especial. Inteligente.

- Mas uma mente racional é apenas um jogo, todos os seus argumentos são pueris.

Ela fixou, então, o olhar, nunca tinha percebido como toda a lógica da razão-sem-experiência é pueril. É notório, pensou.

Ele continuou:
- A vida existe sem argumento algum e a Verdade não necessita de provas, necessita apenas do seu coração. Não de argumentos, mas do seu amor, da sua confiança, da sua disponibilidade para receber. Por isso que as pessoas temem a meditação, porque ela é a morte do ego, e o ego é apenas um falso conceito.

Ela vinha percebendo no seu dia a dia a inutilidade das palavras, tantas palavras vazias tornavam a vida superficial. A profundidade, ver além da palavra, a experiência trazia. Quando ela amou sentiu uma fusão, dois já não eram dois. Então ela soube; soube de um lugar que não era o lugar da razão. Era o do coração?

Abraçou-o demoradamente. Agradeceu-o pelos ensinamentos do Tantra e caminhou rumo à praia, com um sorriso no canto da boca, pensando no poema. Sentiu um alívio profundo, acho que na Alma, por lembrar de não se levar à serio e de que não era escrava da própria mente.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

presente

Eu achei um dos presentes mais preciosos que recebi, dos eternos jardins: um par de asas e quatro patas peludas de lobo e rápidas. Para voar eu teria que usar os dois e teria que fazer isso no meio da multidão.
E não é que uma mulher assemelha-se muito a um lobo? Robusta, plena, com grande força vital, que dá a vida, que tem consciência do seu território, engenhosa, leal, que gosta de perambular. E quando ela se aproxima da sua natureza instintiva não significa que se desestruturou, agiu como louca ou descontrolada. Significa o oposto, pois a natureza instintiva possui vasta integridade. Implica em delimitar territórios, encontrar nossa matilha, ocupar nosso corpo com segurança e orgulho independentemente dos dons e das limitações desse corpo, falar e agir em defesa própria, estar consciente, alerta, recorrer aos poderes da intuição e do pressentimento inato às mulheres, adequar-se aos próprios ciclos, descobrir aquilo a que pertencemos.
Ela se enfurece diante da injustiça; é à procura dela que saímos de casa, é à procura dela que voltamos. E no meio da multidão experimenta toda a exposição, mesmo do que ainda não está perfeito, do que a auto crítica deseja censurar, costurar, remendar, refazer. A mulher selvagem procura e encontra, num ciclo infinito de caça.
E esse presente era uma caixa de ferramentas guardada no fundo do imenso baú dourado da vida, o presente de poder correr com os lobos.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

atraída pelo crime

1997. Começo a frequentar as sessões do tribunal do júri que aconteciam no tribunal atrás do meu colégio. Eu e Aninha fugíamos do laboratório para passar a tarde assistindo aos casos. Eu nunca vou esquecer a cara da ré do primeiro júri que assisti. Sim, era uma mulher. Botou fogo no marido. Ela parecia com a moça-manicure do salão de beleza, perto da minha casa, o qual eu frequentava.
Decidi fazer Direito, eu queria ser advogada porque o crime me fascinou. E eu sempre quis ser atriz também e, curioso, as duas profissões casavam bem.
2003. Começo um estágio que me faz resolver não desistir da faculdade. Encontrei, finalmente, o que eu buscava porque eu teimava em acreditar que o Direito não era "business". E não fazia sessões de júri, mas trabalhava com crime. Era o adolescente, que eu auxiliava o procurador do estado a defender, e ele tinha medo de me contar a verdade. Mas o juiz confirmou: sim, era lesão de quem foi pisoteado e não lesão de queda, conforme ele alegara. Primeiro caso de violência policial, o mundo não era mais tão doce.
2005. Aulas de medicina legal. As lesões e violências nos slides do power point eu já tinha visto na vida real. Iniciação Científica, Ouvidoria da Polícia, eu escolhi aprender a lidar com todo um monte de emoção e contradição e agora eu estava nesse caminho porque eu queria.
2006. Agora eu era advogada e processando eu faria justiça. Ah, mas as pessoas não querem denunciar, não tem prova Adriana, não tem sentença, não tem justiça. Tem medo.
2011. Volto à assessoria jurídico-popular de um outro lugar. Tento pensar diferentemente o direito e o crime continua no meu caminho, mas agora é um outro olhar. Confio que posso inventar alguma outra forma, pois estou cansada da violência e da intolerância, encontrei um coletivo antiproibicionista, re-encontrei alegria na militância e tenho mais fome de justiça do que nunca. A cidade que eu amo eu a penso como um espaço coletivo, onde eu, você, ele, nós, vós e eles possamos conviver, tolerar, dialogar, construir, conflitar, mas construir, construir. Com amor e não com medo. Que você e eu e ele e nós e vós e eles levantemos do nosso conforto e exigemos um outro mundo possível, de seres comprometidos, que escolhem sabendo que essa escolha afeta o cara ao lado. Coletividade não é "um monte de gente junto e eu não tenho nada a ver com isso". A ordem pública não é garantida pela exclusão do inimigo. A sociedade não precisa ser defendida. Contratar o contrato social não é pagar imposto, votar e achar que está fazendo a sua parte. Ser um cidadão de bem não é respeitar a lei porque a lei pode ser injusta, mas se você não refletir/questionar talvez nunca perceba. Ser justo e ético é qualquer outra coisa que não valores que só se aplicam a minorias (ainda mais pensando que também temos castas no Brasil e o topo da pirâmide certamente é a minoria). E se o papel do advogado nesse mundo não for o de colaborar para ressignificarmos o contrato social tantas vezes quantas forem necessárias e o de querer que os direitos humanos sejam mais do que um discurso bonito, que ele não abafe lutas e revoluções, então, eu não sei qual é. Ter coragem para não temer se um dia, talvez, extinguirem a profissão, ao invés de protegê-la a qualquer preço, porque sempre existem outros caminhos. Hoje o meu dia foi intenso: conheci pessoas interessantíssimas que me trouxeram força e confiança, mas também re-vi uma velha conhecida, a violência, só que de muito perto, o que me deixou triste, com raiva e muito angustiada com as impotências. Eu também detesto explicar gírias, mas ainda acredito que há muito amor em São Paulo, basta querer encontrar. Meu nome é Adriana e, por todas as minhas relações, eu falei.