sexta-feira, 2 de setembro de 2011

atraída pelo crime

1997. Começo a frequentar as sessões do tribunal do júri que aconteciam no tribunal atrás do meu colégio. Eu e Aninha fugíamos do laboratório para passar a tarde assistindo aos casos. Eu nunca vou esquecer a cara da ré do primeiro júri que assisti. Sim, era uma mulher. Botou fogo no marido. Ela parecia com a moça-manicure do salão de beleza, perto da minha casa, o qual eu frequentava.
Decidi fazer Direito, eu queria ser advogada porque o crime me fascinou. E eu sempre quis ser atriz também e, curioso, as duas profissões casavam bem.
2003. Começo um estágio que me faz resolver não desistir da faculdade. Encontrei, finalmente, o que eu buscava porque eu teimava em acreditar que o Direito não era "business". E não fazia sessões de júri, mas trabalhava com crime. Era o adolescente, que eu auxiliava o procurador do estado a defender, e ele tinha medo de me contar a verdade. Mas o juiz confirmou: sim, era lesão de quem foi pisoteado e não lesão de queda, conforme ele alegara. Primeiro caso de violência policial, o mundo não era mais tão doce.
2005. Aulas de medicina legal. As lesões e violências nos slides do power point eu já tinha visto na vida real. Iniciação Científica, Ouvidoria da Polícia, eu escolhi aprender a lidar com todo um monte de emoção e contradição e agora eu estava nesse caminho porque eu queria.
2006. Agora eu era advogada e processando eu faria justiça. Ah, mas as pessoas não querem denunciar, não tem prova Adriana, não tem sentença, não tem justiça. Tem medo.
2011. Volto à assessoria jurídico-popular de um outro lugar. Tento pensar diferentemente o direito e o crime continua no meu caminho, mas agora é um outro olhar. Confio que posso inventar alguma outra forma, pois estou cansada da violência e da intolerância, encontrei um coletivo antiproibicionista, re-encontrei alegria na militância e tenho mais fome de justiça do que nunca. A cidade que eu amo eu a penso como um espaço coletivo, onde eu, você, ele, nós, vós e eles possamos conviver, tolerar, dialogar, construir, conflitar, mas construir, construir. Com amor e não com medo. Que você e eu e ele e nós e vós e eles levantemos do nosso conforto e exigemos um outro mundo possível, de seres comprometidos, que escolhem sabendo que essa escolha afeta o cara ao lado. Coletividade não é "um monte de gente junto e eu não tenho nada a ver com isso". A ordem pública não é garantida pela exclusão do inimigo. A sociedade não precisa ser defendida. Contratar o contrato social não é pagar imposto, votar e achar que está fazendo a sua parte. Ser um cidadão de bem não é respeitar a lei porque a lei pode ser injusta, mas se você não refletir/questionar talvez nunca perceba. Ser justo e ético é qualquer outra coisa que não valores que só se aplicam a minorias (ainda mais pensando que também temos castas no Brasil e o topo da pirâmide certamente é a minoria). E se o papel do advogado nesse mundo não for o de colaborar para ressignificarmos o contrato social tantas vezes quantas forem necessárias e o de querer que os direitos humanos sejam mais do que um discurso bonito, que ele não abafe lutas e revoluções, então, eu não sei qual é. Ter coragem para não temer se um dia, talvez, extinguirem a profissão, ao invés de protegê-la a qualquer preço, porque sempre existem outros caminhos. Hoje o meu dia foi intenso: conheci pessoas interessantíssimas que me trouxeram força e confiança, mas também re-vi uma velha conhecida, a violência, só que de muito perto, o que me deixou triste, com raiva e muito angustiada com as impotências. Eu também detesto explicar gírias, mas ainda acredito que há muito amor em São Paulo, basta querer encontrar. Meu nome é Adriana e, por todas as minhas relações, eu falei.

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