sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Você não passa de uma mulher (ah, mulher)

I
Minha avó, neta de italianos e franceses, filha de italianos, foi chapeleira. Ela ama costurar e tenho minhas dúvidas se ela não acabou casando porque era isso que as mulheres faziam. Muito bela e vistosa, sempre foi muito cortejada pelos rapazes, mas acabou casando-se com o meu avó, o rapaz pobre que foi, voluntariamente, para a II Guerra Mundial. Ela escolheu o amor, abdicou da sua vida em nome da casa, dos filhos e do marido. Ficou viúva com 81 anos. Um dia a madame francesa, sua patroa, conversando com uma amiga disse: "o homem dá o sobrenome, o amigo o amor", ela ouviu, mas achou um absurdo.
Hoje ela paquerou um médico no elevador. Eu disse, "paquerando, vó?". E ela: "claro, porque não?". Pela primeira vez eu reparei que ela sempre me chama de Adriana e é tão doce que não me assusta. Eu insisti para ela um assunto e ela me disse, firme, na lucidez dos seus 87 anos: "Adriana, eu vou ficar". Emudeci pensando, caramba - c a r a m b a - "é muita personalidade". Encheu o olhos azuis piscina de mais água, o rosto corou, quando a tia entrou no quarto. Respirou aliviada, mais uma etapa. Voltando para casa me contou uma porção de suas histórias, enquanto reparava nas ruas enfeitadas para o Natal. Mostrei a árvore e gostei da felicidade que ela causou na minha Noninha. Logo eu, que acho pouco criativo tanto esse Natal europeizado quanto a árvore. Vem almoçar domingo que a vó faz bife à milanesa. Sobe hoje e toma um café com a vó? Estou cansada, vó. Você vai sair ainda hoje? Vou sim, Luizinha. Então vai, toma uma banho, descansa e vai.

II
Minha outra avó, não se sabe ao certo, era um mix de português com índio com italiano. A sua mãe não pode criar os filhos, então os distribuiu para famílias próximas, para que eles não perdessem o contato. Minha avó gostava muito da família que a adotou. Rita ficou viúva cedo, com 52, e faleceu com 79, sem me dar tempo de perguntar tantos detalhes, os quais apenas me dei conta que faltavam quando ela não estava mais por perto. História que deixou suas lacunas, como a vida, pois não se pode entender tudo. Era uma mulher livre e cheia de energia, adorava o amor e o sexo e não tinha nenhum pudor. Falava sobre isso com a maior naturalidade do mundo. Adorava sua cervejinha com salaminho, apesar da pressão alta. Sempre foi cortejada e namorou até seus últimos dias escondido dos filhos, filhas, netos e netas, claro, pois todo esse pessoal dando opinião sobre sua vida é, definitivamente, a última coisa que ela queria. Trabalhou de telefonista na mocidade e adorava ir aos bailes. De todos os pretendentes casou-se com meu avó que levou-a para morar na fazenda, abdicando de sua profissão para viver uma vida à serviço: 12 filhos (5 filhas, 4 filhos, 3 morreram), cozinhar para um batalhão, fazer partos nas redondezas (sim, ela ainda era parteira)... Uma vida muito diferente da vida na cidade.

III
2011. Almoçando, comecei a conversar com a Maria e o que ela me contou da sua vida me remeteu para o ano de 1880, entretanto, curiosamente, ela relatava 30 anos atrás, no Piauí. Ser mulher, então, é uma tarefa. Não sei se árdua, mas uma tarefa. Não se pode ousar ficar parada, estagnada. Carregamos conosco a tarefa de abrir caminhos para as próximas gerações, romper conceitos, girar entre dar a cara à tapa-encolher-expandir-dar a cara à tapa-encolher-expandir, escolher e sofrer, escolher e ser recompensada, muitas vezes aceitar. Aceitar e não fazer nada, também uma outra tarefa. Eu ouço as histórias, minhas avós, Marias e penso na mulher que eu sou e qual eu posso ser. Eu lhe entendo, menina, buscando o carinho de um modo qualquer... Carinho queremos e, muitas vezes, o aceitamos de um modo qualquer, mas qual é o modo não-qualquer? Eu experimento e observo, aprendo. Olha a moça inteligente, que tem no batente o trabalho mental, QI elevado e pós-graduada, psicanalizada, intelectual. Vive à procura de um mito, pois não se adapta a um tipo qualquer e apesar do estudo, ela não passa de uma mulher..... ah, mulher.

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